Sobretudo em momentos de insegurança jurídica, muitas pessoas se questionam como fazer a “blindagem patrimonial” contra as dívidas. Existem no mercado soluções apontadas como “mágicas”, mas várias delas beiram à ilegalidade, inclusive sujeitando os infratores a sanções criminais. Veja aqui como preservar o seu capital dentro dos limites éticos e legais. 

Uma história para ilustrar as estratégias

João e Pedro eram dois amigos inseparáveis.

Colegas de faculdade, se conheceram no 2o. período do curso de engenharia e a amizade logo floresceu.

Já próximos da formatura, no ano de 2.007, o Brasil passava por um momento de grande entusiasmo.

A maioria das pessoas acreditava que o país de futuro tinha se transformado no país do presente – o futuro finalmente tinha chegado.

As pessoas tinham fatura à mesa, empresas geravam riquezas e havia muita distribuição de renda.

A inflação não era exatamente um problema pois o crédito era farto. Todos que queriam empreender conseguiam fazê-lo.

Imóveis atingiam a cifra de milhões de reais sem muito esforço, mas todos que estavam dispostos a enfrentar financiamentos de longos anos conseguiam alcançar o “sonho da casa própria”.

Os dois amigos, então, decidiram montar uma empresa de incorporação imobiliária. O momento era muito bom e não tinha como dar errado.

E, de fato, deu certo. Foram 9 empreendimentos de muito sucesso, com praticamente todas as unidades vendidas.

Algumas unidades eles não venderam de propósito pois queriam manter os imóveis que não paravam de valorizar para vender em um momento oportuno.

João e Pedro estavam, realmente, muito prósperos.

Até que veio a crise de 2.014 e levou a empresa a enfrentar dificuldades nunca antes imaginadas.

O resultado para a empresa, ao final, foi um só: a falência.

Mas, antes de contar o desfecho para a empresa, vamos lhe contar sobre o que ocorreu com o Pedro, já que em 2.010 aconteceu um fato que mudou totalmente a sua história patrimonial.

O nascimento dos filhos de Pedro

Quando começaram a faculdade, Pedro tinha uma namorada chamada Ana Júlia e o sonho dos dois era se casar. Pedro gostava muito de crianças e queria ser pai.

Em 2.008 casaram-se alegremente e tiveram 2 anos de “lua de mel”. Viajaram, curtiram e aproveitaram tudo que o dinheiro honesto ganhado na empresa lhes podia proporcionar.

Em 2.009 eles decidiram que iriam tentar o 1o. nenem.

E eles tiveram essa 1a. grande alegria em 2.010, com o nascimento da Marcela. Em 2.012, nova alegria em família, com a chegada do “Pedrinho”.

Com a família completa, novos medos começaram a passar na cabeça do casal: Ana Júlia trabalhava mas em ritmo reduzido e Pedro era o principal sustento da casa. E se ele faltasse?

Com o nascimento dos 2 filhos, era muito importante que o Pedro a Ana Júlia se precavessem e, com isso, eles acabaram contratando o amigo advogado para montar uma estrutura pensando na desnecessidade de inventário judicial do patrimônio no caso de morte de um dos dois.

A confiança mútua do casal era enorme e tudo que eles não queriam era que, caso um dos viesse a falecer prematuramente, o que sobrevivesse tivesse dificuldades patrimoniais.

Um dos grandes receios de Pedro e Ana Júlia era de que, como os filhos eram menores, na falta de 1 dos pais o patrimônio ia ser fiscalizado pelo Ministério Público em quase todos os atos – o que não fazia sentido para os dois pois ninguém melhor para cuidar do patrimônio da família do que eles próprios.

Além disso, apesar de sequer imaginas um cenário negativo, Pedro havia ouvido dizer de um procedimento chamado “blindagem patrimonial”  e queria se inteirar do assunto.

Foi então que Pedro decidiu por pesquisar sobre um assunto que um amigo de escola, agora advogado, havia lhe contado em um desses “happy hours” da vida: o planejamento sucessório.

Pedro e Ana Júlia estudaram várias possibilidades possíveis e, para os bens já existentes, optaram pela constituição de uma holding.

Com a criação da holding, todos os bens do casal eram transferidos à empresa que, por sua vez, já estava em nome dos filhos.

Pedro e Ana Júlia tinham criados instrumentos jurídicos que garantiam a administração dos bens enquanto fossem vivos mas, na falta dos dois, o patrimônio iria automaticamente ser dos filhos sem a necessidade de inventário – e sem o Estado intervindo em questão particulares.

Além de confortável com esse problema resolvido, Pedro se sentia confiante em trabalhar cada vez mais e mais junto ao amigo João e fazer a sua empresa crescer.

O que ele não sabia era que a decisão de criar a holding não servia apenas como planejamento sucessório: ela protegeria o seu patrimônio da falência que estava por vir.

 

A falência de empresa de Pedro e João

Quando chegou o ano de 2.014, a crise interna foi forte.

O crédito imobiliário desapareceu, os compradores sumiram e o preço dos imóveis despencou.

A empresa, que antes era lucrativa, passou a operar no negativo – e muito.

Em um primeiro momento, João e Pedro fizeram aportes do próprio bolso na tentativa de manter o negócio vivo.

No entanto, em 2.015, a empresa já não estava tão sólida quando vieram os principais golpes.

1o. foi uma ação trabalhista grande que a empresa perdeu. Quando chegou a hora da execução trabalhista, João e Pedro nomearam à penhora um apartamento, mas o Juiz não aceitou.

E, sem sequer analisar se houve ou não fraude à lei, simplesmente desconsiderou a personalidade jurídica e bloqueou bens particulares de João, através do BACEN-JUD.

Pedro, que já havia planejado a sua sucessão, nada sofreu em seus bens particulares com esse 1o. baque.

Houve um 2o. momento que foram os fornecedores: muitos deles quebraram, alguns ficaram devendo à empresa de João e Pedro. E isso atrasou as entregas de obras, gerando rescisões de contratos.

Mas o tiro de misericórdia veio do Fisco: a Receita Federal apurou uma dívida milionária de empresa e, logo na fase administrativa, já cobrou a dívida dos sócios.

Essa dívida viria a ser derrubada na Justiça em 2.018, mas ali já era tarde demais. Entre 2.015 e 2.018, diversos bloqueios foram feitos nas contas da empresa e nas contas do João e a empresa simplesmente não suportou e fechou as portas.

João literalmente foi à “falência”: perdeu todos os bens que tinha adquirido naqueles 7 anos de prosperidade e teve que recomeçar tudo do zero.

Pedro também perdeu a empresa, mas o patrimônio que adquiriu nestes árduos e longos anos de trabalho foram preservados pois não eram alcançados pelas dívidas da empresa.

Uma leitura sobre o que ocorreu

Em todos os países civilizados, existe a figura da limitação de responsabilidades das empresas ao seu próprio capital social.

Essa é uma forma de impedir que os sócios sejam eventualmente responsabilizados pelo pagamento de dívidas pertencentes à pessoa jurídica.

Em regra, os sócios, diretores ou administradores só respondem pessoalmente pelas dívidas da empresa se agirem com o intuito de fraude, dolo ou simulação. É assim que dispõe o Código Civil.

Segundo essa regra, parece absurdo penalizar o empresário que, de forma honesta, se esforçou e lutou contra um sistema quase invencível, mas acabou perdendo a batalha.

A limitação de responsabilidades deveria proteger os sócios de responderem pessoalmente pelas dívidas da empresa – ressalvado, repetimos, casos de fraude.

Mas, não constatada a fraude, os sócios jamais deveriam responder por dívidas da empresa.

No entanto, embora a lei contenha a disposição nesse exato sentido, não é isso que acontece na prática.

Na realidade, a Justiça do Trabalho e a Justiça Comum nas Execuções Fiscais superprotegem os empregados e o Fisco de tal maneira que parece que à sociedade só estes interessam.

Se esquecem de que, se empresas quebram, parte é por falta de gestão dos empresários, mas partes é pela carga tributária vergonhosa do Brasil e parte por conta de empregados não tão comprometidos com a empresa.

Na história que contamos, João e Pedro nunca cometeram nenhuma fraude. Nunca atrasaram pagamentos, nunca sonegaram impostos.

Tanto que, a autuação sofrida em 2.015, foi derrubada na Justiça em 2.018. Mas já era tarde demais.

O fato é que João e Pedro quebraram por circunstâncias de mercado, mesmo tendo sido diligentes, honestos e probos na condução dos negócios.

Mesmo assim, foram injusta (e ilegalmente) responsabilizados pessoalmente pelas dívidas da empresa.

Sorte do Pedro que, sem pensar nesse objetivo, acabou protegendo o seu patrimônio quando criou uma holding e transferiu seus bens aos filhos, antes que as dívidas que ele sequer imaginava um dia chegassem.

Já João, que nunca havia sequer ouvido em estratégias de blindagem patrimonial ou proteção de seus bens acabou perdendo-os em pagamento às dívidas da empresa – mesmo nunca tendo praticado qualquer fraude.

 

Blindagem patrimonial

A segregação do patrimônio pessoal evidentemente protege o patrimônio.

A diferença entre a licitude ou ilicitude das operações está na intenção do empresário.

Existem outras estratégias de blindagem patrimonial ou proteção dos bens que são plenamente lícitas.

Exemplos claros são a alocação de investimentos em planos de previdência privada ou ou mesmo o casamento em regime de separação total de bens.

A criação de uma holding e a adoção de outras estratégias de planejamento sucessório são apenas outras formas lícitas que geram, igualmente, o efeito da blindagem patrimonial.

Contudo, alguns poucos empresários – sim, eles são uma minoria – usam dessas estratégias para deliberadamente infringir a lei a fraudar credores.

E o que faz o Estado? Nivela o empresariado “por baixo”, desconsidera da personalidade jurídica de forma indiscriminada e responsabiliza todos os sócios pessoalmente por dívidas das empresas, sem distinguir entre empresários honestos dos fraudadores.

A blindagem patrimonial é o uso de estratégias jurídicas com o objetivo deliberado de dar prejuízos ao Fisco, a empregados e a terceiros.

Nesses casos, muitas vezes, verifica-se a presença de pessoas interpostas (os chamados “laranjas”). Essas pessoas são colocadas na situação com o simples objetivo de sonegar tributos ou mesmo de descumprir obrigações comerciais e trabalhistas.

Esse tipo de situação, além de ser antiética, caracteriza uma série de crimes e é relativamente fácil de ser descoberta, mesmo que venha a utilizar a figura de empresas offshore (que também não são ilícitas, tudo depende do contexto em que são usadas).

Além disso, a blindagem patrimonial é normalmente aplicada em casos de falência já caracterizada. E isso pode, inclusive, implicar na desconsideração dos atos praticados, tornando sem efeito todo o esforço do empreendedor ao criar esta estrutura específica.

Vale lembrar que toda blindagem possui níveis e que para cada um destes níveis existe uma investida mais poderosa.

Portanto, desconstituir uma blindagem patrimonial depende apenas do grau de interesse das autoridades e dos credores em investigar os fatos e provar a fraude. E, claramente, isso não é interessante para o empreendedor.

Que “Blindagem Patrimonial” com o objetivo deliberado de fraude é crime, isso está claro para todos.

A verdade é que esse tipo de estratégia nem deveria ser cogitada pelos empresários de o Estado agisse com boa-fé com os empresários que agem de boa-fé e se limitasse a desconsiderar a personalidade jurídica aos casos de fraude, dolo e simulação (de verdade).

Mas, o que importa concluir aqui é outra coisa: a estratégia do Pedro de montar uma holding com o objetivo de antecipar sua sucessão acaba tendo um outro objetivo e que está dentro da lei – o da proteção do patrimônio contra abusos estatais.

Proteção patrimonial

O Estado se vê no direito de declarar o abuso da personalidade jurídica “a torto e a direito”. O que era para ser um direito, se constitui em verdadeiro abuso.

Mais de 90% dos casos em que já vivenciamos as declarações de desconsideração da personalidade jurídica foi feita de forma injusta ou indevida.

Nesse contexto de insegurança jurídica, ao jurisdicionado cabe traçar, dentro dos limites da lei, estratégias para proteger seu patrimônio contra situações inesperadas.

O que era para ser garantido pela lei (na verdade, é garantido, mas a lei não é respeitada pelos agentes estatais) precisa ser garantido por estratégias adequadas e seguras.

E a proteção patrimonial planejada difere totalmente da blindagem patrimonial, por vários aspectos.

Vejamos, primeiramente, o momento em que é feita a proteção: enquanto a blindagem patrimonial ocorre normalmente quando a empresa está falida, a proteção patrimonial é feita sempre em caráter preventivo.

Além disso, a intenção das operações é totalmente distinta: enquanto na blindagem patrimonial há clara intenção de fraude, nas estratégias de planejamento sucessório o objetivo é o de antecipar a herança e de segregar o patrimônio familiar dos negócios sociais.

Toda empresa, independentemente de seu porte ou estrutura, está sujeita a riscos trabalhistas, fiscais, ambientais, societários e comerciais.

Refletir sobre isso e seguir o caminho do Pedro pode fazer toda a diferença no futuro patrimonial de sua família.

Criação de empresas holding

A forma mais usual de se formar uma estrutura de proteção patrimonial é através da constituição de uma ou mais empresas holding.

Aqui o objetivo sempre vai além do mero resguardo de bens, abrangendo também outros ângulos como redução de impostos e planejamento sucessório, redução de custos administrativos ou implantação de regras de governança corporativa.

Essas outras vantagens da estrutura de holding muitas vezes se somam à necessidade de proteção patrimonial e auxiliam na boa gestão da empresa.

Com isso, as chances de prosperidade no negócio são substancialmente aumentadas, sendo elas as próprias forças atuantes e auxiliares da proteção almejada.

Para que seja implantado e executado devidamente um projeto de proteção patrimonial, é de suma importância que o empreendedor conte com a orientação de um profissional.

A delimitação de intenção ao longo do processo é fundamental para que haja futuramente comprovação de inexistência de fraude, dolo ou simulação.

E, nesse caso, o profissional deve estar atento à legislação vigente, sendo o advogado especialista em Direito Tributário e Societário mais adequado para orientar a empresa devidamente.

Esperamos que esse artigo tenha contribuído para você entender melhor as diferenças entre blindagem patrimonial e proteção patrimonial e por isso separamos mais alguns artigos de leitura úteis para você:

 

 

 


Sobre o Autor:

BRENO GARCIA DE OLIVEIRA é Advogado, tendo se graduado em Direito pela Faculdade de Direito Milton Campos (2.004), ano em que fundou a GDO | Advogados.

Especializou-se em Direito Tributário pelo IEC/PUC Minas (2.006) e em Direito Societário pela UCAM (2.007).

Exerce advocacia consultiva com foco em prevenção de riscos através do gerenciamento de processos. No contencioso, atua principalmente nos seguintes Tribunais: TJ-MG, TJ-SP, TJ-RJ, TRF 1a. Região, TRF 2a. Região, TRF 4a. Região, STJ, STF.

É Assessor Jurídico de diversas Entidades da Área Médica, Empresas de Transportes e de Construção Civil e Conselheiro de Sociedades de Participações e Holdings Patrimoniais Privadas.

Inscrições na OAB: OAB/MG 98.579 – OAB/RJ 222.834 – OAB/SP 420.781

 


Perguntas Frequentes:

O que é Blindagem Patrimonial

É o conjunto de procedimentos jurídicos destinados à proteção dos bens pessoais dos sócios contra dívidas das empresas. Normalmente é utilizado de forma pejorativa no meio jurídico e é um termo muito vinculado a fraudes fiscais ou trabalhistas.

O que é proteção patrimonial?

É uma estratégia jurídica que visa separar o patrimônio dos sócios daquele da empresa, gerando uma proteção jurídica natural aos bens dos envolvidos, sendo realizada enquanto a empresa ainda está saudável financeiramente, para que não caracterize fraude.