Regulamentado em 2.017 pela reforma trabalhista, o teletrabalho ou home office já era adotado por diversas empresas como forma de estimular a produtividade e reduzir custos. Com o a crise do coronavírus Covid-19, o que antes era uma discricionariedade se transformou em necessidade. Vamos abordar neste artigo algumas questões importantes sobre a adoção forçada do teletrabalho ou home office em razão do evento em questão.

 

O que é o teletrabalho ou o home office?

O home office ou teletrabalho pode ser definido como o sistema através do qual o empregado, mediante uso de sistemas tecnológicos, executa trabalhos à distância, sob ordens e dependência do empregador, sem controle de jornada.

Embora o instituto tenha uma série de vantagens tanto para a empresa quanto para o empregado, a aplicação do regime de home office, embora crescente, ainda é tímida no Brasil.

Isso ocorre, em parte, por resistência dos empregadores que não sentem confiança na manutenção dos níveis de produtividade dos empregados em regime de teletrabalho e, de outro lado, por parte dos próprios empregados que ainda preferem a rotina de deslocamento diário.

Como veremos abaixo, a crise gerada pelo coronavírus Covid-19 pode modificar substancialmente essa visão dos dois lados. Antes, porém, analisemos os regimes de trabalho sob a ótica da situação extrema vivida com a pandemia.

 

Teletrabalho ou Home Office x Trabalho Presencial: hipóteses de alteração de regime

Pela regulamentação atual, o home office exige expresso contrato escrito, que especifique todas as atividades que serão desenvolvidas pelos empregados.

Em situações normais, a lei condicionada a mudança do regime do presencial para o teletrabalho ao mútuo acordo entre a empresa e o empregador, além de um aditivo contratual escrito.

O objetivo, com isso, é garantir que a empresa não imponha o sistema de home office ao empregado já habituado a trabalhar presencialmente.

O contrário, no entanto, é prerrogativa do empregador: a alteração do regime de home office para o presencial pode ser feita unilateralmente pelo empregador, desde que garantido o prazo mínimo de 15 dias de transição, devendo o fato ser registrado em aditivo contratual.

Como se vê, a regra geral prevista na CLT depende sempre de contrato escrito, sendo que alterar o regime de trabalho presencial para o teletrabalho depende da anuência da empresa e do empregado – ao menos em circunstâncias normais.

Mas, definitivamente, não estamos diante de uma situação normal. A calamidade pública causada pelo coronavírus Covid-19 caracteriza claramente caso fortuito ou de força maior a justificar medidas excepcionais e às vezes extremas, mas necessárias à preservação da empresa e da saúde dos trabalhadores.

 

Caso Fortuito ou Força Maior na CLT

Pela lei trabalhista, caracteriza-se como força maior todo evento inevitável e que não tenha sido causado pelo próprio empregador.

A crise do coronavírus Covid-19 certamente será, no futuro, citada como exemplo clássico nas doutrinas e jurisprudências. Nada mais inimaginável e inevitável do que a situação que estamos vivendo agora.

Diante desse cenário, era de se supor que a adoção do regime de home office seria algo praticamente automático e indiscutível. Não é bem assim.

Nesse contexto, muitas empresas enfrentam um dilema: embora a CLT contenha previsão de situações que caracterizem a força maior, ela não prevê de forma expressa a mudança de regime de trabalho de presencial para teletrabalho em situações excepcionais.

Em contrapartida, existe a regra já mencionada em que se exige anuência do empregado para a alteração do regime de trabalho (de presencial para home office).

A partir dessa questão, surge a dúvida: diante da situação excepcional vivenciada em função do coronavírus Covid-19, pode a empresa unilateralmente determinar a conversão cautelar ou provisória do regime de trabalho presencial para o home office?

Em nossa visão, a empresa não apenas pode como tem o dever de adotar o regime, como forma de garantir a saúde de seus colaboradores – e a excepcionalidade da situação justifica a alteração unilateral do regime, ainda que contra a vontade do empregado.

 

Do poder-dever de alteração do regime de forma impositiva

Segundo determina a CLT, cabe à empresa cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho, além de instruir seus empregados através de ordens de serviço quanto as precauções a serem adotadas no sentido de evitar acidentes ou doenças.

A saúde dos trabalhadores, portanto, é obrigação principal da empresa e, existindo risco de contaminação coletiva, esse fato por si só já nos pareceria suficiente para se concluir que é possível adotar a medida de forma unilateral pela empresa.

Com a pandemia do coronovírus Covid-19 declarada pela Organização Mundial de Saúde, quer nos parecer que todo ambiente de trabalho deve ser considerado insalubre, até 2ª. ordem. Neste momento, não há empresa no mundo que seja capaz de se dizer livre da infecção em seu ambiente de trabalho.

Nesse sentido, embora não exista uma regra expressa na CLT permitindo a alteração compulsória, entendemos que esta e outras medidas razoáveis e compatíveis com a situação de força maior são sempre autorizadas.

Nesse sentido, desenvolvendo uma linha de raciocínio que nos permita chegar a essa conclusão, traçamos uma analogia com a permissão expressa de redução de salários.

Para os casos de força maior, a CLT autoriza expressamente a redução em até 25% dos salários, enquanto perdurar os efeitos decorrentes do motivo de força maior. A proteção à irredutibilidade do salário, como sabemos, é um dos principais direitos do trabalhador.

Em assim sendo, o raciocínio que traçamos é: se até reduzir temporariamente o salário é possível, não seria lícito ao empregador determinar o home office compulsório que, a rigor, visa preservar a saúde de seus próprios empregados?

O raciocínio inverso, sob a ótica do empregado, também nos parece validar a hipótese de autorização unilateral do regime presencial para o home office: se o empregado, no lugar do empregador, considerasse o ambiente como insalubre (como de fato o é), em razão da força maior poderia exigir a implementação do teletrabalho?

Ao nosso ver a resposta é um retumbante “sim” e, caso o empregador o negasse, nos parece que seria o caso de rescisão indireta do contrato de trabalho eis que o empregado não pode ser obrigado a trabalhar em um ambiente insalubre.

Por isso, somos da opinião de que é evidente que, diante da particularidade e excepcionalidade da calamidade pública mundial gerada pelo coronavírus Covid-19, é plenamente viável e recomendável a adoção compulsória do home office, independente da vontade do empregado.

Esse raciocínio nos parece óbvio e, diante de uma cenário de análise de riscos jurídicos, não identificamos nenhum outro argumento que possa ser razoavelmente lógico.

Nunca é demais lembrar que, diante da situação extrema vivida pela crise do coronavírus Covid-19 e a caracterização evidente de força maior, medidas excepcionais podem e devem ser tomadas de forma a se garantir a saúde pública e a dos empregados da empresa.

Logicamente que, em Direito, toda decisão envolve riscos e, neste caso, embora nos pareça óbvio e incontestável que estará agindo bem a empresa que adotar o home office, sempre haverá um “garantista” em algum lugar para sustentar que a empresa não poderia fazê-lo.

Nesta linha, se forçar o home office pode caracterizar um risco trabalhista ante a inexistência de autorização legislativa expressa, manter os empregados laborando na empresa gera outros riscos trabalhistas.

Diante de um dilema como esse, nos parece ser mais defensável e razoável optar pela primeira hipótese, determinando a todos que prestem seus serviços, de forma provisória, em regime de teletrabalho.

 

O inimigo comum: a insegurança jurídica

Decidindo a empresa por determinar o home office compulsório ou por manter o regime de trabalho presencial, precisa estar ciente de que estará assumindo riscos.

É lógico que empreender envolve riscos, diriam os defensores de outra pandemia – a da insegurança jurídica em que o Brasil está imerso há vários anos – mas o fato é que o “risco jurisprudência” não precisaria existir no Brasil.

Decisões sensatas e transparentes mitigariam esses riscos e tornariam o país mais competitivo. Elas seriam tão salutares ao desenvolvimento do país quanto a adoção das medidas sanitárias de contenção do coronavírus Covid-19.

Mas a verdade é que não temos elementos mínimos para vislumbrar essa sonhada estabilidade de segurança jurídica em nenhuma das duas decisões e, definitivamente, não contamos com uma possível sensatez futura  nos julgamentos de casos concretos.

Assim, como é muito provável que qualquer que seja a sua decisão a sua empresa tenderá a enfrentar essa discussão no futuro, é essencial que você conte com o apoio de um advogado de confiança para lhe ajudar a gerenciar o risco da sua empresa no caso concreto.

Algumas recomendações mínimas, contudo, tendem a mitigar os riscos jurídicos da decisão, conforme a empresa decida ou não alterar o regime de trabalho de presencial para teletrabalho. São elas:

 

Recomendações para quem pretender alterar o regime, de forma unilateral

Se você concorda com os argumentos acima e estiver pretendendo determinar o home office compulsório, algumas medidas podem reduzir o risco futuro.

Embora apenas um advogado de sua confiança e que conheça a sua empresa possa lhe dizer exatamente o que fazer, genericamente algumas orientações são válidas. São elas:

  • A participação do sindicato: seria interessante, dentro das possibilidades de pessoal e de deslocamento, que um acordo fosse homologado juntamente do Sindicato da categoria. Em caso de contestação futura, um documento oficial do sindicato aumentaria muito as chances de êxito em eventuais demandas.
  • A Proteção de Dados: embora a LGPD tenha sua vigência a partir de agosto/20, medidas de proteção das informações de clientes e de dados sensíveis da própria empresa podem e devem ser tomadas. Existem softwares que controlam acesso de documentos de forma a se garantir que os mesmos ficarão dentro do ambiente virtual da empresa, ainda que acessados externamente.
  • A jornada de trabalho em home office: de acordo com a CLT o teletrabalho não se sujeita a controle de jornada. No entanto, sugerimos que a jornada padrão da empresa se mantenha respeitada pois, vale lembrar, embora o funcionário esteja provisoriamente trabalhando em casa, o local de trabalho contratualmente definido continua sendo a empresa.
  • Facultar (e não impor) o home office aos que assim desejarem: se a empresa não estiver confortável em determinar impositivamente o home office, poderá facultar a alteração do regime, de forma provisória, aos empregados que assim desejarem. Um documento escrito e entregue ao colaborador contra recibo faria prova não apenas da anuência como, ainda, produziria comprovação de que a empresa ofereceu a opção ao empregado.

Essa última opção, contudo, também tem seus riscos. Como sabemos, o entendimento jurisprudencial dominante é no sentido de que à empresa cabe prover os meios de segurança de trabalho e fiscalizar a sua efetividade (ex: cobrar o uso do EPI).

Temos nossas críticas a esse posicionamento pois isso sugere que o empregado não tem maturidade de assumir suas próprias decisões mas o fato é que a legislação paternalista assim trata a questão e nada impede que a jurisprudência se firme no sentido de que a imposição ao home office seria um dever do empregador.

 

Recomendações para quem não pretender alterar o regime de forma compulsória

Por outro lado, pode ser que você considere que assumir o risco do home office impositivo talvez seja uma temeridade. Há posicionamentes, inclusive, no sentido de que apenas após uma determinação oficial de órgãos governamentais é que isso poderia ocorrer.

Se você acredita que a melhor forma de lidar com a crise do coronavírus Covid-19 é mantendo os funcionários trabalhando em regime presencial, algumas orientações são válidas:

  • Expedição de ordens de serviço quanto as precauções: a CLT prevê expressamente que informativos internos têm de ser prestados pela empresa aos empregados com o objetivo de esclarecer sobre os riscos de danos à saúde. Neste caso, vale consultar à sua assessoria de medicina do trabalho quais são as condutas recomendadas e disseminá-las por escrito e amplamente aos empregados.
  • Evitar determinações de deslocamento: de acordo com a legislação previdenciária, a doença endêmica adquirida pelo empregado habitante de região em que ela se desenvolva não será considerada como doença do trabalho. Portanto, ao nosso ver, se o empregado insistir em laborar na sede da empresa e adquirir a infecção, isso não caracterizará doença do trabalho. No entanto, se isso ocorrer em viagem que decorra de determinação do empregador, entendemos no sentido contrário pois a doença terá sido adquirida fora da região habitada.
  • Disponibilize material de higienização em abundância: além das informações e boletins internos, mantenha em local visível e em abundância material de higienização como álcool gel, material de limpeza, sabão nos banheiros, entre outros que a medicina do trabalho recomendar.

 

Alternativas à manutenção normal das atividades

Pode ser que você não se sinta confortável como nenhuma das duas situações. Existem, para isso, algumas alternativas nos parecem possíveis de ser adotadas.

A 1ª. delas é o Banco de Horas, que depende de prévio acordo coletivo com o sindicato da categoria ou acordo particular com o empregado. Nada impede que empresa e empregado estabeleçam que o mesmo irá tirar dias de licença, compensando as horas com trabalhos extras no futuro, respeitados os limites legais.

Além disso, a concessão de férias seria uma opção. Embora a lei exija antecedência no aviso, o fato é que existe jurisprudência relativizando esta obrigatoriedade e, numa situação como a crise do coronavírus Covid-19, consideramos como sendo alta a probabilidade de que essa postura venha a ser aceita.

Neste caso, também, seria interessante contar com a chancela do sindicato da categoria, na medida do possível. Isso reduziria consideravelmente as chances de contestações futuras.

 

Os empregados afastados por motivo de doença (isolamento ou quarentena)

Como primeira medida legislativa de combate à calamidade pública, foi editada a Lei n. 13.979/2020, que trata das medidas para enfrentamento emergencial da crise provocada pelo coronavírus Covid-19.

O “isolamento” e a “quarentena” são algumas das medidas passíveis de serem impostas pelo Poder Público caso as pessoas não adiram de forma espontânea às recomendações dos órgãos competentes.

Nestas situações, o período de ausência deverá ser considerado falta justificada ao trabalho.

Cabe registrar, contudo, que as medidas de “isolamento” e “quarentena” só poderão ser determinadas pelos gestores locais de saúde, mediante autorização do Ministério da Saúde.

Os procedimentos a Lei da Quarentena foram regulados pelo Ministério da Saúde em sua Portaria 356/2020.

 

Crise ou oportunidade?

Como vimos, qualquer que seja a sua decisão como empresário, haverá riscos jurídicos embutidos nela.

Seja para determinar o home office compulsório, seja para manter (ou tolerar) que os empregados continuem trabalhando na sede física, haverá sempre um risco a ser assumido.

Tudo indica uma tendência de que as pessoas assumam o risco do home office obrigatório. É o que nos parece mais lógico em um caso dessa natureza.

Mas, vale lembrar, apenas o advogado de sua confiança e que conheça a empresa e entenda a sua realidade pode lhe orientar sobre qual é a melhor conduta a seguir.

De qualquer forma, para as empresas que ainda não adotavam essa modalidade de trabalho, isso poderá ser um grande choque inicial, mas também uma grande oportunidade a ser explorada.

Provavelmente a existência do home office forçado vença barreiras antes existentes e amplie o número de vagas de trabalho nesta modalidade, o que pode ser um grande diferencial competitivo para as empresas, seja pela contratação de pessoas no mundo todo, seja pela redução de custos.

Se de maneira emergencial funcionar, passada a crise, vale considerar um planejamento efetivo de implantação de um programa de home office, que respeite a legislação trabalhista, garanta a produtividade e proteja informações e dados da empresa e seus clientes.

Possivelmente isso geraria grande satisfação aos empregados e reduziria custos da empresa.

 

Obs: depois da publicação desse texto foi editada a Medida Provisória 927/2020. Sobre ela escrevemos um artigo “Medida provisória 927/2020: tudo o que você precisa saber“, cuja leitura é complementar a este documento.

 


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