Desde que vieram à tona as primeiras notícias de que o governo Bolsonaro havia solicitado ao Congresso Nacional a declaração de estado de calamidade pública, inúmeras dúvidas surgiram, especialmente em relação à circulação de pessoas e mercadorias. Neste artigo vamos abordar o tema e compará-lo com os estados de exceção previstos na Constituição Federal.
Estado de calamidade? E agora?
Você deve se lembrar do filme o Contágio, em que a personagem principal Beth Emhoff retorna aos EUA após uma viagem a Hong Kong e vem a falecer.
Após o seu óbito (que até então tinha causas desconhecidas), outras pessoas começam a manifestar os mesmos sintomas e, rapidamente, surge uma pandemia mundial.
Na obra de ficção, milhões de pessoas morrem em virtude de uma doença que começou com uma pessoa e foi se espalhando de forma exponencial mundo afora.
Como a vida imita a arte, o coronavírus Covid-19 se instalou em vários países do mundo e o pânico está instalado de forma generalizada.
Em países como a Itália, os hospitais estão operando em sua capacidade máxima e nem mesmo uma simples sutura é suportada pelo sistema de saúde. Há pessoas falecendo de outras causas, por falta de atendimento.
A riscos de que a população médica esteja altamente infectada e isso diminui a capacidade de resposta do sistema de saúde.
Além disso, escolas, lojas, restaurantes e shoppings estão fechados por tempo indeterminado. Empresas lutam contra dificuldades financeiras e correm o risco de quebrar. Empresários lutam para preservar o patrimônio e manter o negócio vivo.
No Brasil, antes que a crise atinja seu ápice e justamente para evitar que cheguemos ao mesmo ponto em que a Itália chegou, o governo solicitou ao Congresso Nacional a decretação de estado de calamidade pública.
O que é estado de calamidade pública
Através da Mensagem Presidencial número 93/2020 o Presidente da República Jair Bolsonaro solicitou ao Congresso Nacional a declaração de “Situação de Calamidade Pública” em função da crise causada pelo coronavírus Covid-19.
O termo, normalmente associado à expressão “estado de emergência”, denota uma situação excepcional de uma cidade, estado ou país.
A decretação de estado de calamidade pública justifica a adoção de algumas medidas extremas por parte dos governos com o objetivo de preservar a saúde pública, o regular funcionamento do Estado ou a segurança da população.
A calamidade pública é diferente do estado de emergência pelo momento. A situação de emergência normalmente é decretada quando os danos estão na iminência de ocorrer.
A declaração de emergência permite a redução dos níveis de burocracia em contratação de serviços e pessoas, além da compra de materiais e equipamentos, mas não modifica a meta fiscal – ou seja, os governos não podem extrapolar o teto de gastos.
Já a calamidade pública é justamente a etapa subsequente: se as medidas emergenciais não tiverem sido suficientes e a crise tiver se instalado, será caso de decretação da calamidade.
Durante a crise do coronavírus Covid-19 tivemos algumas situações de declaração de emergência.
Como exemplo, podemos citar a portaria expedida pelo Ministério da Saúde que permite a aquisição emergencial de bens e serviços, a contratação temporária de profissionais e a requisição de bens e serviços.
Esse tipo de medida, na área de Saúde Pública Federal, tem amparo no Decreto n° 7.616 de 2011.
Como vimos, essas medidas foram insuficientes para conter a crise do coronavírus Covid-19, que vem avançando a passos largos.
Com isso, o Congresso Nacional analisa o pedido de decretação de calamidade pública que permitirá ao Estado se utilizar de novas ferramentas no combate à crise do coronavírus Covid-19.
Quais as consequências da declaração de calamidade pública
Em uma situação de normalidade, União, Estados e Municípios possuem uma meta fiscal a ser atingida definida pela Lei de Diretrizes Orçamentárias.
Essa meta, em suma, estabelece o limite de gastos do Poder Executivo: ultrapassando o limite legal, o gestor público poderá incorrer em crime de responsabilidade e, com isso, sofrer processo de impeachment.
No entanto, podem existir situações de caso fortuito ou força maior que justifiquem o abrandamento dessa regra. Uma delas é a decretação da calamidade pública.
Em termos práticos, a declaração de calamidade pública tem como efeito principal a autorização para que o governo extrapole a meta fiscal prevista para o ano.
No caso do Governo Federal, essa meta havia sido estabelecida pelo Congresso Nacional em um déficit de R$ 124 Bilhões – ou seja, está permitido o endividamento da máquina pública até esse limite.
Com a declaração de calamidade pública, o atingimento dos resultados fiscais ficará dispensado, enquanto perdurar a situação, conforme previsão da Lei de Responsabilidade Fiscal.
Em outras palavras, com a aprovação do estado de calamidade pública, o Governo Federal poderá contrair novas dívidas necessárias à compra de equipamentos, materiais ou contração de serviços e pessoas necessários ao combate da crise, ainda que acima do limite do teto de gastos – e sem que isso configure crime de responsabilidade por parte do Presidente da República.
O estado de calamidade pública, ao contrário do que muitos pensam, não tem como consequência a restrição de circulação de pessoas e mercadorias ou o fechamento de fronteiras, por exemplo (essas medidas decorrem de outros atos administrativos).
Esse tipo de restrição, ainda mais grave, podem ocorrer nos chamados estados de exceção, que são expressamente previstos na Constituição Federal: são o “Estado de Defesa” e o “Estado de Sítio”.
Estado de Defesa
Segundo a Constituição Federal o estado de defesa tem o objetivo de resguardar ou reestabelecer a ordem pública ou a paz social, ameaçadas por grave e iminente instabilidade institucional ou atingidas por calamidades de grandes proporções na natureza.
Decretado pelo Presidente da República mediante autorização prévia do Congresso Nacional, o Estado de defesa poderá gerar restrição de reuniões, do sigilo de correspondência e telefônico e permite a ocupação e uso temporário de bens e serviços públicos pela União.
Todos os outros direitos constitucionais, contudo, estão garantidos, salvo os acima citados e desde que tenham sido expressamente relacionados no Decreto que instituir o estado de defesa.
O estado de defesa tem o limite temporal de 30 dias, prorrogável por um único período extra de 30 dias, ambos dependendo de aprovação do Congresso Nacional.
Se insuficiente para resguardar ou reestabelecer a ordem pública, a Constituição Federal prevê um segundo estado de exceção ainda mais rigoroso: o Estado de Sítio.
Estado de Sítio
Também passível de decretação pelo Presidente da República e somente após autorização do Congresso Nacional, o estado de sítio pode ocorrer nos casos comoção grave de repercussão nacional, de ineficácia de medida tomada durante o estado de defesa ou declaração de estado de guerra ou resposta a agressão armada estrangeira.
Neste excepcionalíssimo caso, o Decreto que o instituir poderá limitar outras garantias constitucionais além daquelas previstas no estado de defesa ou seja, há possibilidade de restrição de outros direitos individuais, inclusive o de locomoção.
No entanto, exceto no caso de guerra externa em que as restrições poderão ser integrais, na decretação de estado de sítio em função de calamidade pública as seguintes medidas podem ser tomadas, enquanto durar o estado de sítio:
- obrigação de permanência em localidade determinada, o que obrigará o home office;
- detenção em edifício não destinado a acusados ou condenados por crimes comuns;
- restrições relativas à inviolabilidade da correspondência, ao sigilo das comunicações, à prestação de informações e à liberdade de imprensa, radiodifusão e televisão, na forma da lei;
- suspensão da liberdade de reunião;
- busca e apreensão em domicílio;
- intervenção nas empresas de serviços públicos;
- requisição de bens.
Além disso, o estado de sítio pode ser prorrogado por sucessivos prazos de 30 dias ou, no caso de declaração de guerra, por todo o período em que dure a agressão armada estrangeira.
Conclusão
A decretação de calamidade pública, portanto, ao contrário do que muitos pensam, não gera a restrição de circulação de bens e pessoas.
Ao contrário, ela gera principalmente efeitos orçamentários, além de simplificar o processo burocrático de aquisição de bens e serviços ou contratação de pessoas.
O objetivo, evidentemente, é municiar o Estado de “armas legais” para que possa combater a crise sistêmica instalada, preservando vidas e protegendo o patrimônio particular e a segurança da população.
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