O tema é polêmico e está tramitando no Poder Legislativo há mais de 30 anos. Com a recente pandemia e a decretação do estado de calamidade pública por causa do coronavírus Covid-19 o assunto voltou com toda a força. Somado a isso, os efeitos em cascata gerados pela paralisação das atividades consideradas “não essenciais” geram riscos de efeitos catastróficos na economia e nos cofres públicos. Está formado, portanto, o cenário perfeito para os defensores da ideia do Imposto sobre grandes fortunas. Continue lendo e saiba como isso pode afetar a sua vida e o seu patrimônio.

 

O que é o imposto sobre grandes fortunas?

O imposto sobre grandes fortunas, ou simplesmente IGF, é o único imposto previsto na Constituição Federal de 1.988 que ainda não foi efetivamente implementado.

Previsto no artigo 153,VII, da Constituição, a regulamentação desse imposto foi delegada a Lei Complementar, ainda não editada.

Essa tributação havia sido pensada como meio para custear o aparato estatal e garantir a prestação de serviços públicos, além dos direitos individuais e coletivos, também previstos na Constituição.

Trata-se de receita que, se implementada, será de competência exclusiva da União, não existindo afetação (destinação) específica.

Essa previsão constitucional espelhou-se em outros países, tais como nossos vizinhos Argentina e Uruguai, que já fazem essa cobrança.

Embora diversos dados demonstrem que o mesmo possui um potencial arrecadatório pouco expressivo, diversos outros países também efetuam essa tributação.

Até pelo peso político de seu discurso, o assunto sempre está em voga e agora, mais do que nunca, retomou com força.

Nesse sentido, trouxemos um breve resumo sobre as principais questões ligadas ao tema e os quatro projetos que tramitam no legislativo a esse respeito. Continue lendo e fique por dentro do que está por vir.

 

O imposto sobre grandes fortunas no mundo

De apelo político muito forte por supostamente promover justiça fiscal, o IGF é um imposto que já foi adotado em alguns países pelo mundo.

Argentina, Suíça, França, Noruega e Colômbia são alguns exemplos em que o imposto sobre grandes fortunas foi instituído.

Embora a capacidade arrecadatória seja considerável em alguns países, o fato é que outras espécies tributárias têm potencial muito maior de atingir esses objetivos e sua real efetividade no Brasil é duvidosa.

É que, evidentemente, por trás de grandes fortunas há também grande inteligência e uma enorme capacidade de mobilizar recursos.

Isso permite a modelagem de estratégias e a elaboração de planejamentos tributários eficazes para fugir da incidência do imposto.

Exemplo recente (e emblemático) veiculado na mídia internacional foi o do ator francês Gérard Depardieu que se tornou cidadão russo como protesto a um Projeto de Lei de tributação de grandes fortunas naquele país.

Ao mudar sua nacionalidade, transmitiu também seu domicílio fiscal – e, com isso, escapou de uma possível incidência do tributo na França.

De estratégias extremas como a mudanças de nacionalidade como outras mais simples mas tão eficazes quanto essa, o fato é que a capacidade de planejamento das grandes fortunas tende a frustrar o objetivo do imposto, caso venha a ser instituído.

O imposto sobre grandes fortunas e Lei Complementar

Como mencionamos, a Constituição delegou à Lei Complementar a definição dos critérios de implantação do IGF.

Uma Lei Complementar nada mais é do que uma Lei qualificada pelo quorum – ou seja, é uma norma aprovada por um número mínimo de Deputados e Senadores maior do que o exigido para uma Lei Ordinária (lei federal comum).

Como as regras desse imposto não são totalmente previstas nas Constituição, essa delegação gera certa insegurança jurídica pois dá ao Congresso Nacional poderes que o mesmo não possui em relação a outros tributos.

Por exemplo, não se sabe com precisão qual seria o conceito de “grandes fortunas”, quais bens a comporiam, qual seria sua base de cálculo ou, mesmo, suas alíquotas.

Tudo depende do que a Lei Complementar dispuser, se aprovada.

Como comentaremos abaixo, atualmente existem 4 projetos de Lei Complementar que são centrais ao tema.

Cada um tem suas particularidades mas, em geral, o objetivo é o mesmo: tributar o patrimônio ou os bens definidos por elas mesmas como grandes fortunas.

Antes de analisarmos os Projetos de Lei é importante esclarecer alguns conceitos básicos para entender os problemas de cada um dos projetos.

 

Base de cálculo: Bitributação?

A base de cálculo de um tributo pode ser definida como a grandeza econômica sobre a qual se aplica uma alíquota e, então, se obtém o valor monetário a pagar.

Podemos citar como exemplos de base de cálculo o “valor venal” do imóvel, no caso do IPTU, a “renda auferida” no caso do Imposto de Renda, o “preço da mercadoria” no caso do ICMS, entre outros.

Muita gente se questiona: eventual instituição de um imposto sobre grandes fortunas não seria cobrar impostos duas vezes sobre a mesma grandeza econômica?

Afinal, se o proprietário de imóveis já paga o IPTU, o de veículos o IPVA etc, por qual razão deveria pagar agora um novo tributo? Não seria isso bitributação?

Ao nosso ver, sim.

Mas a bitributação não é necessariamente vedada pela Constituição, salvo nos casos em que ela própria o especifica.

Via de regra, o legislador é proibido de instituir “novos impostos” que tenham por fato gerador base de cálculo próprio daqueles previstos na própria Constituição – ou seja, os novos impostos não podem gerar o efeito de bitributação.

No entanto, se o IGF é um imposto previsto na própria Constituição, essa limitação não se aplica ao mesmo.

Portanto, ele não se enquadra no conceito de “novos impostos” pois mesmo ainda não tendo sido instituído, está previsto no texto constitucional.

O fato é que o argumento da bitributação, embora seja justo, é frágil juridicamente.

Quem apostar nessa estratégia corre sérios riscos de se sentir injustiçado após a implementação pois é muito provável que o Judiciário não acolha a tese.

A solução para evitar a incidência do imposto sobre grandes fortunas caso ele venha a ser instituído é só uma: planejar antes que ele seja implantado.

 

Princípios da anterioridade e espera nonagesimal

Existem 2 princípios tributários que são importantes limitações ao poder de tributar e que dão aos contribuintes a oportunidade de elaborar um planejamento tributário relevante ainda este ano: trata-se dos princípios da anterioridade e da espera nonagesimal.

De acordo com a Constituição, salvo exceções (dentre as quais o IGF não se enquadra), é vedado ao legislador instituir tributos no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou.

Em outras palavras, se a Lei vier a ser aprovada este ano, a cobrança só pode ser instituída no ano que vem.

Além disso, antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou, não pode haver cobrança do imposto.

Ou seja, se quiser cobrar o IGF a partir de 1º. de janeiro de 2.021 o Estado brasileiro precisa aprovar a norma até 01.10.2020 de forma que tanto o prazo de 90 dias de antecedência quanto a anterioridade em relação ao exercício sejam respeitadas.

No entanto, engana-se quem pensa que aguardar uma eventual aprovação da norma para, só então, realizar o planejamento tributário seria uma boa estratégia.

Como veremos abaixo, os projetos de lei em andamento contém regras que buscam inibir o planejamento tributário e vamos apresenta-las.

Além disso, pelo menos um Projeto de Lei contém uma proposta de instituição paralela de um outro tributo denominado “empréstimo compulsório” – espécie que não se sujeita aos princípios da anterioridade e nem da espera nonagesimal quando instituídos em face de calamidade pública, o que é o caso.

Antes da falarmos sobre as possibilidades de planejamento tributário, porém, veremos um pouco sobre o teor dos principais projetos de lei em tramitação e que dizem respeito ao tema.

 

Quais são os quatro principais projetos legislativos em tramitação?

Como vimos, o Imposto sobre grandes fortunas (IGF) é uma possível (mais uma!) fonte de arrecadação para a Administração Pública Federal.

Até o ano passado existiam 2 Projetos de Lei Complementar que pretendiam a instituição do IGF no país.

Em virtude da Pandemia causada pela Covid-19 dois novos projetos neste sentido foram apresentados, totalizando quatro propostas centrais para instituição desse imposto.

Embora os impactos para os cofres públicos com a implementação do IGF só sejam passíveis de serem sentidos no ano que vem, por conta dos princípios da anterioridade e espera nonagesimal, existe um discurso político muito forte no sentido de criá-los este ano.

Assim, mesmo que haja risco do tributo não ser efetivo, não sendo possível concluir que haveria obtenção de recursos imediatos por meio do Imposto sobre grandes fortunas, por ser uma medida politicamente defensável publicamente, acreditamos que há uma forte tendência de que o mesmo seja finalmente instituído.

Dentre os projetos que estão sob análise do Poder Legislativo, o mais recente é o Projeto de Lei Complementar nº 50, de 2020, apresentado pela senadora Eliziane Gama (Partido Cidadania/MA).

A maior inovação desse projeto é que a autora sugere, além da implementação do IGF, que seja realizado o empréstimo compulsório sobre as grandes fortunas, para combater as dificuldades oriundas da pandemia do Covid-19.

O empréstimo compulsório é diferente da instituição de um imposto comum.

Trata-se de uma ferramenta legal que permite que a tributação seja aplicada sobre as grandes fortunas em situações específicas – como nos casos de guerras ou calamidade pública, situação esta declarada recentemente no Brasil.

Nos empréstimos compulsórios todos os valores arrecadados seriam (pelo menos o texto constitucional assim o diz) devolvidos no futuro.

Um aspecto importante a ser destacado nos casos de empréstimos compulsórios é que, quando instituídos para atender a despesas extraordinárias decorrentes de calamidade pública (que é o caso), podem ser cobrados imediatamente, independente do princípio da anterioridade ou espera nonagesimal.

O projeto que inspirou a senadora Eliziane foi o Projeto de Lei de nº 183, de 2019, apresentado pelo senador Plínio Valério (PSDB-AM).

Apresentado antes da pandemia, o projeto trata apenas sobre o IGF.

Todavia, o senador Plínio acredita que com os efeitos negativos sobre a drástica redução da arrecadação no país, o sistema está apto para promulgar essa regulamentação que se tornou assunto atual.

Dentre os quatro principais projetos, o mais antigo é o do senador Paulo Paim, com o Projeto de Lei Complementar nº 315, de 2015, com a alíquota de 1% sobre todo o patrimônio adquirido e com duração permanente, incidente sobre todo patrimônio de pessoa física ou de espólio cujo valor seja superior a 50.000.000 (cinquenta milhões de reais), situado no País ou no exterior.

Por fim, o quarto Projeto de Lei Complementar é do senador Reguffe (Podemos-DF), nº 38 de 2020.

Com menos chances de sucesso, esse projeto propõe a vigência imediata do imposto, o que é vetado pela legislação tributária constitucional em razão dos princípios da anterioridade e espera nonagesimal acima citados.

Do mesmo modo como está previsto no projeto do senador Paulo Paim, para o senador Reguffe, seria tributado todo patrimônio de pessoa física ou de espólio cujo valor seja superior a 50.000.000 (cinquenta milhões de reais), situado no País ou no exterior.

 

Quais patrimônios seriam taxados em cada um desses projetos?

No Projeto de Lei de nº 183, de 2019, do senador Plínio Valério, o fato gerador da incidência do Imposto Sobre Grandes Fortunas seria a mera titularidade de patrimônio acima de 12 mil vezes o limite de isenção do Imposto de Renda, que atualmente é R$ 1.900,00.

O Projeto de Lei Complementar nº 50, de 2020, apresentado pela senadora Eliziane Gama, acompanha as mesmas diretrizes, tanto sobre o fato gerador, quanto sobre a base de cálculo para taxar o patrimônio.

Por sua vez, Projeto de Lei Complementar nº 315, de 2015, do senador Paulo Paim, indica como fato gerador a aquisição de patrimônio acima de 50 milhões, excluindo as dívidas. Segundo o projeto, esse valor seria reajustado anualmente segundo a inflação.

Por fim, o Projeto de Lei Complementar nº 38, de 2020, do senador Reguffe, ainda não indicou qual seria o fato gerador, apresentando apenas que seria taxado todo patrimônio acima de 12 mil vezes o limite de isenção do Imposto de Renda, atualmente em R$ 1.900,00.

 

O Risco do Empréstimo Compulsório

É interessante observar que o projeto apresentado pela senadora Eliziane Gama contém uma proposta arriscada sob o aspecto fiscal para os contribuintes: a instituição de um empréstimo compulsório.

Embora na proposta inicial essa tributação se aplique apenas às grandes fortunas, é perfeitamente possível que esse tributo seja estendido a mais contribuintes, como forma de custear as despesas extraordinárias feitas pelo governo em razão da crise do coronavírus Covid-19.

Nesse contexto, vale lembrar que o empréstimo compulsório, quando instituído em razão de calamidade pública, não se sujeita aos princípios da anterioridade ou espera nonagesimal.

Passada a crise, a conta terá que ser enfrentada e o governo só tem duas formas de solucionar isso: cortando gastos ou instituindo novos tributos – e o empréstimo compulsório seria a solução perfeita pois poucos contribuintes conseguiriam se planejar para escapar de sua incidência, justamente pelo fato de ser possível instituí-l0 imediatamente.

Diante desse cenário, você pode até acreditar que o Estado cortará seus próprios gastos e reduzirá seus próprios benefícios.

A recomendação, contudo, é não acreditar nessa utopia e se planejar para evitar a incidência também desse imposto pois as chances de extinção das regalias ou mordomias estatais não devem ser concretizadas.

 

Imposto sobre grandes fortunas e Planejamento Tributário

O Brasil é o país da insegurança jurídica. Aqui, como diz a frase atribuída ao ex-Ministro Pedro Malan, “o futuro é duvidoso e o passado é incerto”.

Diante desse contexto, é importante observar uma questão: dos 3 Projetos de Lei juridicamente viáveis (estamos desconsiderando o PL do Senador Reguffe pois claramente inconstitucional), todos contém uma pseudo-norma antielisiva.

E o que significa isso? Que o Estado não só quer tributar as pessoas mas, também, proibir que elas pratiquem qualquer ato que reduza esse imposto, ainda que licitamente.

A regra em questão prevê que, embora a tributação se dê apenas em relação às pessoas físicas, eventuais transferências patrimoniais para pessoas jurídicas de titularidade dos proprietários dos bens pode vir a ser desconsiderada se esta transferência for realizada com o “objetivo de dissimular o verdadeiro proprietário dos bens”.

Uma norma dessa natureza dá uma pitada de sadismo à já emocionante estrada dos empreendedores brasileiros: se aprovada a norma a fiscalização poderá, subjetivamente, decidir se a alocação tinha o “objetivo de dissimular o verdadeiro proprietário dos bens”.

É um verdadeiro escárnio ao princípio da legalidade: existe lei que autoriza você a se planejar e estruturar a sua propriedade privada da forma como melhor lhe convier.

Mas, se aprovada, haverá a agora “contra-lei” que autorizará a fiscalização a dizer que a sua organização empresarial é uma dissimulação e não poderia ter sido feita, mesmo havendo lei que o autorize.

Por isso é recomendável que todo planejamento seja feito antes de aprovada a lei pois isso reduz significativamente as chances de discussão sobre “dissimulação” – afinal, se a lei ainda não existe, estaria o contribuinte a “dissimular” o que?

Ademais, a estruturação das operações deve conter elementos de planejamento sucessório pois isso se constituiria em propósito negocial suficiente a afastar a “pseudo-dissimulação”.

 

A criação de uma holding como forma de evitar a incidência do imposto sobre grandes fortunas

A principal forma de planejamento tributário para evitar a incidência do imposto sobre grandes fortunas é, sem dúvidas, a constituição de uma holding.

Com a estratégia certa e sem aderir às práticas ilegais, como por exemplo sonegação ou evasão de impostos, a reestruturação societária e o planejamento tributário certamente contribuem para a blindagem do patrimônio do contribuinte frente a um novo imposto.

Isso porque atualmente a legislação brasileira permite por vias legais que sejam evitadas essas cobranças e as medidas adotadas agora impactarão, sem dúvidas, nos fatos tributáveis, caso o imposto sobre grandes fortunas seja, de fato, implementado no Brasil.

A elisão fiscal é ato legítimo, praticado com o fim de evitar a incidência tributária ou diminuir a tributação.

“Mais lícito” ainda – no país do passado imprevisível talvez essa gradação seja permitida – será a medida se praticada antes da criação da lei que o institua ou majore.

A abertura de uma holding é uma medida lícita e uma eficaz ferramenta de administração e blindagem patrimonial – e gera benefícios fiscais atuais, sobretudo na locação ou na compra e venda de imóveis.

Além disso, a criação de uma holding com o objetivo de planejamento sucessório evita a necessidade de realização de inventário no caso de falecimento o que é uma vantagem extra, além da redução de impostos.

Tendo em vista que apenas as pessoas físicas e a herança deixada como espólio são sujeitos passivos na obrigação tributária sobre Imposto sobre grandes fortunas, a criação de uma holding é a melhor solução a fim de se resguardar do promissor Imposto sobre grandes fortunas.

Esperamos que este artigo tenha sido útil para solucionar algumas de suas dúvidas.

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