Com a recente crise causada pelo coronovírus Covid-19 muitas empresas passaram a ter dúvidas sobre como tratar a interrupções de contratos e se essa situação caracteriza a chamada força maior ou caso fortuito. Entender um pouco mais sobre os dois institutos, as suas consequências práticas e, principalmente, a sua aplicação em relação à crise gerada pelo coronavírus Covid-19 é o que faremos nesse artigo.

O que é caso fortuito e força maior

Imagine-se indo trabalhar: é de manhã cedo e você está passando pela avenida principal da sua cidade como todos os dias. Normalmente o trânsito é tranquilo mas, naquele dia, você se depara com um congestionamento sem precedentes.

Ansioso, pois você precisa chegar logo à empresa para concluir a liberação de uma entrega, você liga o rádio e descobre que o trânsito está interrompido pois manifestantes ocuparam a via nos dois sentidos – e não há notícias de que irão sair tão cedo.

No entanto, você precisa ir pessoalmente fazer a liberação das mercadorias até as 10:00h da manhã, sem o que a entrega irá atrasar e, com isso, haverá a incidência de uma multa pesadíssima.

Do outro lado da cidade seu cliente está esperando a entrega da compra na hora combinada e ele também possui outros compromissos que dependem de você cumprir seus prazos contratuais. Se você falhar na entrega, ele é quem pagará multas pesadas aos clientes dele.

De um lado temos um comprador que pagou pela mercadoria e quer receber no prazo contratado. De outro temos um fornecedor sério que quer entregar mas está impossibilitado de cumprir sua obrigação devido a um fato alheio à sua vontade: a manifestação.

No meio dos dois um contrato e uma série de prejuízos. Enfim, o que diz a lei civil nessa situação?

É aí que entra a figura do caso fortuito e da força maior.

Tidos por alguns como sinônimos e por outros como termos técnicos distintos, os conceitos de caso fortuito e força maior se assemelham e significam a existência de uma situação inevitável.

Admite-se uma pequena distinção que se daria em relação à previsibilidade: enquanto o caso fortuito seria totalmente imprevisível (ex: coronavírus), os casos de força maior seriam previsíveis (ex: tempestades, raios, guerras, manifestações etc).

Independente de serem ou não previsíveis, o fato é que sendo inevitáveis geram consequências jurídicas para os contratos existentes.

Qual a consequência prática?

Toda vez que houver a caracterização de uma situação de força maior ou caso fortuito a lei dará tratamento especial aos contratos.

Se refletirmos bem, o direito e os contratos têm um objetivo principal que é dar estabilidade às relações humanas.

Uma vez presentes as figuras do caso fortuito ou força maior essa estabilidade fica naturalmente abalada.

É nesse contexto que o Código Civil contém uma previsão excepcional: a de que o devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, salvo se houver expressamente se responsabilizado.

Existem, contudo, exceções e veremos elas adiante. Antes, porém, falaremos um pouco sobre a caracterização de situações desta natureza.

Quando sei se uma situação é um caso fortuito ou força maior.

Muitas vezes a linha que separa o caso fortuito ou força maior é tênue.

Há alguns casos que são muito evidentes: a pandemia do coronavírus Covid-19 nos parece ser uma delas.

Fenômenos da natureza, greves gerais (ex: greve dos caminhoneiros), calamidades públicas, guerras etc também são eventos de fácil constatação.

Mas vamos voltar ao nosso exemplo inicial deste texto em que o trânsito foi interrompido pela manifestação: seria caso fortuito ou de força maior para você? Ou depender de autorização de uma única pessoal – e além do mais, presencialmente, seria um ato de desorganização da empresa vendedora?

O fato é que nem sempre a caracterização é tão simples para todos.

Usa-se muito a expressão de que o “bom senso” definirá o que é caso fortuito ou força maior no caso a caso, mas nada pior do que se valer de conceitos subjetivos para definir uma situação.

O “bom senso” para um não necessariamente correspondente ao “bom senso” do outro – e aí está instalada a discórdia.

Quando existem atos do Poder Público determinando determinadas ações ou omissões (ex: restrição de circulação), fica mais fácil comprovar a situação. Notícias de jornais de ampla circulação também podem ser úteis.

Uma forma de escapar desse dilema fazer uma gestão de crise profissional, conduzindo comunicados planejados ao público e fornecedores, dirigindo negociações eficazes com clientes e buscando o reequilíbrio contratual que foi quebrado pelo caso fortuito ou força maior.

Essas ações, se bem conduzidas, tendem a eliminar processos judiciais, mas sempre há o risco de que estes ocorram. Por isso é importante, também, construir um dossiê de provas durante a gestão de crise pois ele pode ser muito útil no futuro.

É essencial, nesta situação, a participação da assessoria jurídica. Ela apoiará a tomada de decisões corretas e, principalmente, colocará foco na gestão de riscos futuros e prevenção de litígios – quanto maior for o sucesso da gestão de crise, menor será o risco de ações judiciais no futuro.

Faz diferença a minha posição, se comprador x vendedor (ou se cliente x prestador)?

A lei fala genericamente da posição de “devedor” ao se referir que este não responderá pelos prejuízos causados pelo caso fortuito ou força maior.

Dessa forma, não importa a posição contratual que você ocupe no contrato. Se você for “devedor”, não irá responder pelos prejuízos decorrentes do caso fortuito ou de força maior.

É importante ressaltar, contudo, que além das exceções legais que veremos abaixo, nem sempre a outra parte do contrato irá aceitar isso de forma espontânea.

Por isso é essencial que você conte um advogado experiente na gestão de crise – a estratégia jurídica nestes casos faz toda a diferença entre o sucesso e o insucesso de uma negociação.

Exceções legais

A lei prevê algumas situações em que, mesmo decorrentes de caso fortuito ou força maior, o devedor responderá por ela.

A primeira delas é situação em que a mora ou atraso ocorreu antes da verificação da situação imprevisível. Neste caso, embora o fato possa vir a atrasar ainda mais a entrega do produto ou serviço, esse atraso “extra” não prevalece sobre o original.

Um exemplo dessa situação seria o atraso na entrega de uma determinada mercadoria e, durante este atraso, ser deflagrada uma greve de caminhoneiros. Neste caso, o atraso originário prevalece para fins de apuração do prejuízo, como se a greve não existisse.

Além disso, nos casos de contrato de locação, se o dono da coisa notificar o locatário e este não a devolver no prazo, eventuais prejuízos serão de responsabilidade deste, mesmo se decorrentes de caso fortuito ou força maior.

Nos contratos de comodato (empréstimo de coisas móveis), a pessoa que recebeu o bem em empréstimo também responde pelos prejuízos se, tendo a possibilidade de salvar seus próprios bens pessoais ou o bem emprestado, preferir os seus.

Seria o caso, por exemplo, de uma enchente: se você preferir salvar os bens particulares a água levar os bens emprestados, neste caso o caso fortuito ou força maior não o liberaria da obrigação de indenizar.

Por fim, nos contratos de mandato e gestão de negócios, o procurador ou gestor responderá pelos prejuízos sempre que exceder os poderes ou a prática comum dos atos do dono da coisa gerida.

Portanto, cada situação tem suas especificidades e consultar um advogado experiente para que ele lhe dê uma orientação adequada é o melhor caminho para evitar problemas futuros.

O coronoavírus Covid-19 pode ser considerado caso fortuito ou força maior?

Ao nosso ver o coronavírus Covid-19 é uma situação que claramente caracteriza caso fortuito ou força maior. A situação, inclusive, está sendo declarada como calamidade pública em vários países do mundo.

Não se recorda na história recente de situações que geraram toques de recolher globais como está ocorrendo com a pandemia do coronavírus Covid-19.

Além disso, o coronavírus Covid-19 está mudando a história da própria humanidade o que o torna um fato suficientemente relevante e imprevisível a ponto de caracterizá-lo como caso fortuito ou força maior.

Mesmo assim, há situações que não necessariamente serão assim consideradas e há algumas correntes no sentido de que o coronavírus Covid-19 não seria considerado como caso fortuito ou de força maior para todos os negócios.

Existem sim grandes chances de que a jurisprudência futura se fixe no sentido de que o coronavírus Covid-19 se caracterizou como uma situação de caso fortuito ou força maior para a maioria das situações.

Acreditamos que, inclusive nos casos em que há alguma controvérsia como na discussão da legalidade sobre home office compulsório durante o período da crise, haverá uma posição que o entenda como permitido.

Mesmo assim, as cautelas jurídicas são necessárias para se minimizar riscos.

Além disso, o futuro é incerto e o transcurso do tempo impede que medidas preventivas sejam tomadas. O ideal é buscar orientação especializada e, com isso, minimizar os riscos futuros.

Como fazer a gestão de crise

A primeira coisa a se fazer é levantar os contratos possivelmente impactados e cataloga-los, sejam eles escritos ou não (mesmo os verbais devem constar da lista).

Depois, analisar cada um dos documentos é essencial, para tentar identificar se existe cláusula tratando de caso fortuito ou de força maior nos mesmos.

Para os casos em que não existam essas cláusulas, é importante mensurar qual é o valor das multas aplicáveis pois isso cria o cenário do risco máximo possível e dá o panorama das negociações.

Daí em diante é montar o plano de ação, que deverá envolver, no mínimo, os seguintes elementos: a redação de comunicados ao mercado, notificações aos fornecedores, informações aos clientes, aditivos contratuais, definição de estratégias de negociação, montagem de dossiês para usos futuros e ajuizamento ou defesa de ações judiciais imprescindíveis.

Todos esses documentos têm impacto jurídico futuro e devem ser escritos pensando em riscos processuais em potencial. Um documento redigido de forma equivocada pode ser pior para a empresa do que a crise causada pelo coronavírus Covid-19 em si.

No entanto, com base em ações planejadas e estratégias e com o apoio de um advogado experiente e de sua confiança você terá totais condições de sair da crise mais forte do que entrou – e sua empresa terá ainda mais credibilidade no mercado.


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