Entenda aqui sobre a pejotização na área médica, quais são os riscos envolvidos e como se prevenir deles. 

Introdução a Pejotização

Muito se discute a respeito da “pejotização” na área médica e se essa questão se caracterizaria como o planejamento tributário lícito ou evasão fiscal.

Com a edição, em 2.017, da Lei número nº 13.429, de 31 de Março daquele ano, esperava-se que a questão estivesse definitivamente superada, já que a norma em questão autorizou expressamente a terceirização da atividade fim das empresas.

No entanto, o que se vê na prática é que a Receita Federal do Brasil continua, em exercício de fiscalização nitidamente arbitrário, a desconsiderar negócios jurídicos totalmente lícitos, praticados por médicos que optam por prestar seus serviços por intermédio de uma pessoa jurídica.

Entendendo o problema sobre pejotização

Em apertada síntese, a fiscalização previdenciária se baseia em dois dispositivos: o artigo 12 da lei número 8.212/91, e o artigo 229 parágrafo 2º, do Regulamento da Previdência Social.

O primeiro dispositivo citado estabelece que serão segurados obrigatórios da Previdência Social as pessoas físicas que atuem como empregados, assim considerados aqueles que prestem serviços de natureza urbana ou rural à empresa, em caráter não eventual, sob sua subordinação e mediante remuneração, inclusive como diretor empregado.

Observa-se, portanto, que para haver fundamentação jurídica a qualquer fiscalização, é essencial que haja a constatação de quatro requisitos legais: a não eventualidade, a subordinação, a existência de remuneração, e a pessoalidade da relação.

Constatada a existência desses requisitos na relação entre empresa e o médico, a fiscalização previdenciária tenderá a desconsiderar os contratos firmados entre as partes, sob a alegação de fraude à lei.

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Como a pejotização atua?

Entende a fiscalização que a “pejotização” seria uma mera maneira de suprimir tributos, de forma a se caracterizar em ato simulado, passível de ser desconsiderado.

A fiscalização, então, atua com base no que dispõe o segundo dispositivo mencionado – artigo 229 do regulamento da Previdência Social.

Este item estabelece que, se o Auditor Fiscal da Previdência Social constatar que o segurado contratado como contribuinte individual, trabalhador avulso, ou sob qualquer outra denominação, preenche as condições referidas no inciso I do caput do art. 9º, deverá desconsiderar o vínculo pactuado e efetuar o enquadramento como segurado empregado.

Este é o cerne da discussão, que abre margem para diversas arbitrariedades, pois nem sempre os requisitos em questão se fazem presentes, especialmente, a não eventualidade, a subordinação, e a pessoalidade.

Como se sabe, nem todos os médicos possuem escala fixa – muitos atendem em clínicas e hospitais conforme a sua própria disponibilidade ou conveniência – esta situação descaracteriza a não eventualidade e a subordinação.

Além disso, é corriqueira a substituição entre colegas, especialmente no caso de plantões, o que desnatura a pessoalidade.

Embora existam casos em que os médicos sejam compelidos a aderir à pejotização, sem o que não conseguiriam alocação no mercado de trabalho, é comum que esta opção seja feita pelo próprio profissional que, muitas vezes, prima pela sua autonomia, inclusive de atender em clínicas concorrentes entre si.

Não obstante, a fiscalização previdenciária solenemente ignora o fato de que, muitas vezes, os requisitos da relação de emprego não se fazem presentes e, a despeito disso, tem desconsiderado operações legítimas.

As principais linhas de possíveis defesas

Em síntese, as principais linhas de defesa são no sentido de que a fiscalização previdenciária não teria competência para declarar uma relação de emprego, pois esta seria exclusividade da Justiça do Trabalho.

Por esta tese, ainda que se admita que o Auditor Fiscal possa descaracterizar a pejotização ele não teria competência legal para declarar uma relação nova – e este fato seria impeditivo da tributação.

Além disso, o Código Tributário Nacional possui dispositivo que regula a norma geral anti-elisiva (que veda a simulação).

No entanto, a aplicação dessa norma depende da edição de uma Lei ainda não editada pelo Congresso Nacional, de forma que grande parte da doutrina entendem pela impossibilidade de que a fiscalização atue na descaracterização de planejamentos tributários.

Além disso, existe lei previdenciária expressa no sentido de que a prestação de serviços intelectuais, inclusive os de natureza científica, quando prestados por prestadoras de serviços, se sujeitam apenas e tão somente à legislação aplicável às pessoas jurídicas.

Especialmente este último ponto, que sistematicamente vem sendo ignorado pela fiscalização, corrobora a conclusão de que as autuações nesse sentido são arbitrárias e podem e devem ser combatidas.

Além destes pontos centrais, que se apresentam como as defesas mais contundentes – sem prejuízo de outras que possam ser consideradas caso a caso – soma-se a discussão de fatos relativamente à caracterização (ou não) dos itens que configuram uma relação de emprego.

O risco oculto da pejotização: a possibilidade de autuação por Imposto de Renda

Um ponto importante a ser observado se refere a um dano colateral que tem um potencial econômico de duas vezes e meia das autuações previdenciárias: o risco de autuações pelo Imposto de Renda.

Se a fiscalização entende por descaracterizar a “pejotização” e, com isso, promover a autuação previdenciária, significa dizer que ela compreende que a relação Hospital/Clínica e “Pejota” não existe sendo que, na realidade, os serviços estariam sendo prestados pela Pessoa Física do médico – tanto que ela o declara “empregado” para efeitos previdenciários.

Nesse contexto, existe o risco iminente que uma nova autuação fiscal sobrevenha, com o objetivo de se cobrar a diferença de Imposto de Renda entre o valor que foi recolhido pela “Pejota” e aquele que deveria ter sido pelo médico Pessoa Física.

Essa diferença é considerável pois as alíquotas do IRPF chegam até 27,5% enquanto a carga tributária média das “Pejotas”  é de, aproximadamente, 11,33%, em tributos federais.

Portanto, além do risco previdenciário em si – que são as fiscalizações majoritariamente conhecidas – cabe avaliar a possibilidade de que uma fiscalização possa ser desencadeada pela outra.

O risco de caracterização de crime fiscal

De forma arbitrária e muito criticada por grande parte do meio jurídico, o crime de sonegação fiscal nada mais é do que uma forma de compelir o contribuinte a não discutir a dívida pois, efetuando o pagamento, se vê livre de um processo penal.

O contribuinte que se encontrar nessa situação não deve se intimidar pois, além das defesas técnicas que um advogado especializado na área poderá desenvolver,

É importante que se saiba que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que o adimplemento do débito tributário, a qualquer tempo, até mesmo após o advento do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, é causa de extinção da punibilidade do acusado.

Dessa forma, não se recomenda ceder à pressão do Fisco com a instauração de uma ação penal ilegítima e arbitrária, que tem como único e exclusivo objetivo coagir o contribuinte a aceitar a cobrança abusiva.

Vale destacar, ainda, que antes de esgotada a fase administrativa das defesas inexiste condição de procedibilidade da ação penal de forma que esta só existirá após o encerramento dessa etapa.

Hospitais x Clínicas Médicas

Em relação à “pejotização” em hospitais, existe a discussão de que estas seriam impositivas e que, portanto, o médico não poderia ser responsabilizado por uma situação a que não deu causa.

Esse argumento, embora razoável, não é aceito pela fiscalização uma vez que se entende que, se a “pejotização” foi impositiva isso significa que o médico com ela não concordava – e se não concordava, este deve ser tributado como se empregado fosse e isso seria, inclusive, caracterização de ato de subordinação, um dos principais elementos caracterizadores da relação de emprego.

Em relação às clínicas médicas, embora não haja discussão no tocante à imposição de “pejotização”, há risco jurídico associado às atividades desenvolvidas nestes moldes, pois a discussão quanto a presença ou não dos requisitos da relação de emprego é a mesma.

Salvo no que se refere à discussão de porte da Clínica x Hospital, não haverá diferenças substanciais no entendimento da fiscalização em relação aos fatos: em caso de fiscalização, provavelmente as questões jurídicas a serem enfrentadas serão as mesmas.

Portanto, em relação ao tema em foco, o que determinará sob a ótica da fiscalização se a “pejotização” é lícita ou ilícita não é a figura da contratante e sim a presença (ou não) dos elementos caracterizadores da relação de emprego.

Fui autuado, o que fazer?

Se você está lendo este texto é provável que se identifique com o problema nele exposto: isso significa que você provavelmente descobriu um pequeno “tumor jurídico” na sua empresa – seja você o Hospital, a Clínica ou o “Pejota”.

Como todo tumor, quando mais cedo ele for descoberto, maiores são as chances de sucesso no tratamento.

Assim, a primeira coisa que se deve fazer é procurar o seu Advogado Tributarista de confiança. Aqui, muitas pessoas cometem o engano de procurar um contador para auxiliar ou até mesmo um profissional de outra área e, nesse meio tempo, perdem-se importantes dias que seriam úteis à defesa.

É necessário destacar que a fase de defesa administrativa pode e deve ser explorada pois a simples interposição da impugnação impede o início da cobrança da autuação pois suspende a exigibilidade do crédito tributário, além de ser impeditivo do início da ação penal.

Além da evidente possibilidade de êxito aqui (aproximadamente 30% dos recursos administrativos são favoráveis aos contribuintes), esta etapa permitirá que o contribuinte se planeje para o caminho futuro, seja ele de parcelamento, pagamento ou discussão judicial.

Por fim, esgotada a fase administrativa, ainda que o contribuinte dela não saia vitorioso, é possível discutir judicialmente a questão – e aqui as chances de êxito aumentam, até pela posição do Judiciário.

Portanto, se você estiver nessa situação, compreenda que existe um problema complexo mas que é passível de defesa, desde que tratado adequadamente e no tempo correto.

Ainda não fui autuado, como me proteger?

Se você está lendo esse texto e ainda não sofreu uma autuação fiscal, isso é muito bom: significa que sua empresa é saudável. Nem por isso você deve se despreocupar.

Como o impacto de uma autuação fiscal é grande – um verdadeiro “câncer jurídico – o melhor ato de gestão que você pode praticar é se prevenir, conhecendo a estrutura jurídica da sua empresa e corrigindo os eventuais pontos de fragilidades antes que eles se tornem um problema de verdade.

Assim, se você é o “Pejota”, convém fazer um trabalho de mapeamento de riscos fiscais e, se é o Hospital ou Clínica, uma due diligence jurídica interna.

Através desses trabalhos é possível identificar os pontos de fragilidades ou exposições a riscos, sugerindo-se mudanças que minimizem as chances de uma autuação e aumentem as probabilidades de êxito em caso de uma atuação.

Em algumas situações podem ser necessárias modificações da estrutura societária, do modelo de negócios ou apenas em rotinas da empresa com o objetivo de desnaturar o vínculo empregatício potencial.

Uma ferramenta bastante útil que disponibilizamos com exclusividade para você que é nosso leitor é o Teste de Risco da Pejotização. Nele você responde a 7 perguntas objetivas (tempo estimado de 3 minutos) e mensuraremos a propensão que sua “Pejota” tem de sofrer uma fiscalização ou autuação fiscal.

Nossas Conclusões sobre a Pejotização.

É realmente lamentável que a Receita Federal, em seu afã arrecadatório, ignore a existência de previsão legal de “pejotização” lícita.

Com isso, pratique arbitrariedades contra uma classe profissional de tamanha relevância social como é a dos médicos, simplesmente por pressupor sua capacidade contributiva.

O médico, ao optar pela “pejotização”, nada mais faz do que exercer o seu legítimo direito ao Planejamento Tributário lícito, utilizando-se de meios permitidos pela lei para reduzir a sua carga tributária, preservando a sua autonomia técnica e profissional.

É evidente que existem casos de simulação em que o instrumento é utilizado como burla à legislação trabalhista mas essas situações são minoritárias e não podem ser generalizadas.

A Receita Federal não pode – e não deveria – agir desta forma pois isso demonstra falta de transparência na relação Fisco-Contribuinte e reforça a descrença no sistema.

Ao prejudicados com autuações fiscais resta a discussão nas vias administrativas ou judiciais, as quais são recomendadas ao caso pois existem boas chances de êxito com a reversão da cobrança indevida.

Àqueles que acreditam estar sujeitos a estes riscos fiscais, recomendamos procurar o seu advogado tributarista de confiança para que realize um mapa de riscos fiscais ou uma due diligence, conforme o caso, prevenindo-se de vivenciar esse tipo de problema antes que ele ocorra.

Sobre o autor: Breno Garcia de Oliveira é Advogado desde 2.004. Especialista em Direito Tributário e Societário, é há vários anos assessor jurídico de importantes entidades médicas como a Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), a Sociedade Mineira de Cardiologia (SBC/MG), a Sociedade Brasileira de Arritmias Cardíacas (SOBRAC), entre outras. É inscrito na OAB/MG sob o n. 98.579, também atuando no RJ (OAB/RJ 222.834) e SP (OAB/SP 420.781).