O tema compliance está em alta e muito se fala sobre ele, no entanto, ainda há muitas dúvidas acerca desse universo. Tendo em vista as recentes divulgações de operações e esquemas grandiosos acerca do desmantelamento de quadrilhas especializadas em corrupção, o termo compliance está cada vez mais presente no vocabulário dos empresários brasileiros. Por isso, passaremos agora a abordar com mais detalhes esse assunto tão polêmico.

O que é compliance?

Afinal, o que quer dizer compliance? A grande maioria da doutrina aponta que a origem do termo compliance é resultado do verbo em inglês to comply, que quer dizer “agir em conformidade com uma regra, uma instrução interna, um comando ou um pedido”.

Assim, dizer que está em compliance é o mesmo que estar em conformidade com as leis e regulamentos, internos e externos. Em outras palavras, manter o negócio em conformidade significa atender as orientações normativas dos órgãos reguladores, bem como cumprir com os regulamentos internos, observando sempre as especificidades de acordo com as atividades desenvolvidas por cada empresa.

O termo também pode ser entendido como a elaboração e aplicação de uma série de controles, que permitirão maior segurança e assertividade para aqueles que utilizam a contabilidade e suas variações financeiras para análise econômico-financeira. Ou seja, todos os negócios, com ou sem fins lucrativos, são sujeitos passíveis para a utilização da prática de compliance.

As atividades de compliance surgiram no Brasil na década de 1990, tendo seus primeiros registros divulgados com mais ênfase na propaganda do governo Collor. Foi durante este período que o país começou a se preocupar com os constantes casos de corrupção. Então, buscou-se uma adaptação aos padrões éticos e de combate à corrupção, inspirado no modelo já existente nos Estados Unidos.

Quais os objetivos do compliance na empresa?

O compliance teve como seus precursores as instituições financeiras, que exigiam (e exigem) uma precisão extremamente minuciosa na realização de cada uma das suas atividades, além de serem amplamente regulamentadas. Como não poderia ser diferente, a maioria dessas empresas aderiu à ideia de que o programa de compliance deveria ser desenvolvido pelo setor jurídico, considerando a quantidade e a complexidade das normas existentes no país.

Não por acaso, essa área tem demonstrado um constante e expressivo crescimento dentre os ramos do direito nos últimos anos. Isso se deve ao fato de ser indispensável a expertise dos advogados especializados para assessorar seus clientes nas mais diversas interpretações dos instrumentos legais vigentes, que sofrem alterações quase que diariamente.

Dessa forma, todas as empresas que possuem atividades que sejam reguladas por um ou mais órgãos específicos tendem a implantar um departamento de compliance, que garanta a conformidade de seus atos – em grande parte dos casos, essa função é realizada por uma assessoria jurídica externa, para direcionar suas ações em apoio a gestão de riscos corporativos.

No Brasil, é crescente o número de empresários e dirigentes de instituições que acreditam que a prevenção é o melhor remédio. Diante do avanço da inteligência artificial e da melhoria dos controles de fiscalização, tem sido visão comum que um bom programa de compliance tem um custo várias vezes inferior do que o “não compliance”.

Isso porque, com correta aplicação e vivência do programa, muitos custos evitáveis serão prevenidos e o padrão do negócio estará em um patamar elevado e diferenciado, apresentando credibilidade aos seus clientes, prestadores e fornecedores.

Pilares do Programa de Compliance

O principal objetivo do compliance é contribuir para que as ações da empresa estejam de acordo com as normas vigentes (sejam elas leis ou regulamentos internos). No entanto, um programa bem estruturado não se limita a meras recomendações técnicas, devendo existir órgãos que facilitem a identificação de não conformidades, permita identificação de responsáveis e, sobretudo, treine a equipe de forma constante, como forma de prevenir desvios. Por isso, pode-se admitir que os principais pilares de um programa de compliance são:

  • Identificação: identificar quais são os potenciais riscos enfrentados pela organização e prestar a devida orientação;
  • Prevenção: após a identificação dos riscos, desenvolver e implementar os mecanismos de controle para proteger e prevenir a organização de tais riscos;
  • Monitoramento e detecção: analisar e reportar acerca da efetividade dos controles de prevenção na administração da exposição a possíveis riscos;
  • Resolução de problemas: esclarecer as dificuldades e resolver as ocorrências de não conformidade, caso surjam e conforme ocorram;
  • Orientação e treinamento: prestar assessoria para as áreas de negócios da organização sobre as regras/normas e controle e treinamentos constantes à equipe.

O grupo de profissionais que será responsável pelo desenvolvimento de um programa de compliance deve levar em conta a complexidade das atividades desempenhadas na organização, sua natureza, escala, volume e valor. Por isso, é essencial que a empresa conte com uma equipe jurídica qualificada, para a emissão um bom parecer jurídico sobre as questões pontuais mas, sobretudo, que atue mapeando as políticas e os processos internos da organização, nele inserindo etapas de validação que promova a correta aplicação das normas legais.

Deste modo, colocar em prática programas de conformidade e compliance evita problemas maiores. Por exemplo, demanda judicial porque uma lei trabalhista foi descumprida, multas da Receita Federal por descumprimento de obrigações tributárias, multas administrativas por descumprimento às leis de defesa da concorrência.

Mas os benefícios vão além: um bom programa de compliance credita confiabilidade ao seu negócio.

Os benefícios de uma área de compliance

Além da vantagem competitiva obtida com a aplicação do programa em relação às empresas que não possuem uma área de compliance, há outros benefícios claramente visíveis.

A credibilidade e confiabilidade de um programa de conformidade gera valor para o mercado, que passa a, por exemplo, oferecer linhas de crédito com descontos, opções de investimentos mais interessantes, oportunidade de novas parcerias, entre tantos outros benefícios. Estar em compliance com as boas práticas e padrões previamente é sinal de seriedade – e não faltma boas oportunidades de negócios para as empresas que assim são reconhecidas pelo mercado.

Com o aumento da transparência nas transações comercias, a credibilidade da instituição é, sem dúvidas, um fator decisivo na hora de contratar, negociar ou utilizar produtos e serviços. Em um contexto macro, reunir esse conjunto de ideias em um programa de compliance serve, também, para mostrar que a empresa se preocupa em seguir os padrões de acordo com as normas de controle, visando sempre a transparência e boa-fé.

As principais abordagens da área de compliance

Algumas pessoas associam a palavra compliance apenas às prática preventivas de anticorrupção. Outras a enxergam como programa de implementação de códigos de ética ou de conduta internos. Há, ainda, aqueles que a associam à prevenção de práticas anticoncorrenciais.

A realidade é que o programa de conformidade é aplicável a todas as esferas do direito aplicáveis à empresa, além de seus próprios regulamentos internos. A palavra designa conformidade de toda e qualquer norma às operações empresariais, sejam elas de natureza legal ou regulamentar.

É claro que não faria nenhum sentido falar sobre conformidade de normas de Direito Aeronáutico para uma clínica médica ou em um supermercado pois esse tipo de norma claramente não se aplica a esses negócios. No entanto, para todas aquelas que se se aplicam, institucionalizar um setor da empresa responsável por fazer cumprir as normas legais caracteriza um programa de compliance.

Vamos, então, citar alguns exemplos de normas que são genericamente aplicáveis a todas as empresas – lembrando que, para cada segmento, haverá regulamentação específica e que deverá compor o seu programa de conformidade legal.

 

A Lei Anticorrupção

Você certamente já sabe que corrupção é um problema muito antigo e está presente desde que se tem notícias dos primeiros registros de vida em sociedade.

Em todas as partes do mundo (e no Brasil, em especial) surgem os mais diversos tipos de escândalos de corrupção, envolvendo desde os pequenos desvios de princípios éticos e morais até as grandes fraudes institucionais.

Em um paralelo, a sociedade brasileira vem atravessando significativas transformações. A crescente melhoria dos níveis de combate à corrupção e a pressão da população por um ambiente de negócios mais transparente e honesto levou o Congresso Nacional a Lei n. 12.864/13, ou simplesmente “Lei Anticorrupção”.

Antes de elaboração e vigência da Lei Anticorrupção, os desvios antiéticos somente eram combatidos em procedimentos pouco efetivos e sem alcançar resultados expressivos. Ainda, eram passíveis de interpretações jurídicas variadas. Foi a partir desse ponto que nasceu a necessidade de criação de mecanismos específicos e normas reguladoras, com a finalidade de combater com afinco a corrupção e incentivar as boas práticas.

Já existiam diversas legislações para o combate à corrupção, uma delas constando na própria Constituição Federal de 1988, em seu artigo 37, §4º. No referido artigo estão previstas as punições sofridas pelos agentes públicos em atos de improbidade administrativa, por exemplo. No entanto, nenhuma era tão eficiente quanto a Lei Anticorrupção.

Isso porque a referida lei oferece de modo claro, abrangente e preciso quais são as condutas combatidas e, principalmente, atribui punições mais severas, especialmente voltadas para as empresas envolvidas nestes esquemas. De acordo com a Lei Anticorrupção, as empresas brasileiras podem ser punidas, civil e administrativamente, por qualquer ato lesivo à administração pública, nacional ou estrangeira.

Ao analisar todos os principais aspectos de corrupção, há uma singularidade que chama a atenção: são as que as organizações empresariais que se tornaram as principais responsáveis por evitar, controlar e denunciar os atos antiéticos e de corrupção internamente. Por isso, o programa compliance está intimamente ligado a Lei Anticorrupção, na medida em que previne, verifica e corrige eventuais desvios de conduta

Nesse sentido, os profissionais de compliance adquirem importância estratégica fundamental. Daí a necessidade de a realização desse programa possuir a expertise jurídica, uma vez que zelará pelo compromisso com a conformidade às leis e será responsável por um programa que oriente a alta direção sobre os seguintes riscos previstos na Lei Anticorrupção:

  • Responsabilidade objetiva: ao apurar responsabilidade objetiva, as organizações podem sofrer penalizações por atos de corrupção, independentemente de existência culpa;
  • Pena de multa de alto valor: o valor da multa pode chegar até 20% do faturamento bruto anual, ou variar de R$ 6 mil a R$ 60 milhões de reais, dependendo do tamanho e do valor da empresa;
  • Acordo de leniência: tem um conceito parecido com o das delações premiadas, que estão em alta os noticiários. Significa que, se uma empresa colaborar nas investigações do processo, ela pode ter benefícios, como uma redução no valor da multa;

Antes da vigência dessa norma, os programas de compliance eram implantados nas empresas mas, nem sempre, tinham grande importância. No entanto, após a promulgação da Lei, os modelos criados tendem a ser mais efetivos e preparados, uma vez que as punições estão muito severas e válidas, inclusive, para as empresas brasileiras que atuam no exterior, mesmo naqueles chamados “paraísos fiscais”.

A lei de defesa da concorrência

Segundo o entendimento do CADE, uma conduta anticompetitiva é qualquer conduta praticada por uma empresa que tenha potencial de causar danos à livre concorrência, ainda que o a agente não tenha tido a intenção de prejudicar o mercado.

Regulada pela Lei n. 12.529/11, a Defesa da Concorrência também prevê o pagamento de multas pesadas que se iniciam com 0,1% do último faturamento bruto apurado no ano anterior, podendo chegar ao limite de até R$ 2 Bilhões (sim, é bilhões mesmo!) caso a escrituração fiscal da empresa não permita apurar a receita passada.

Portanto, é imprescindível que os setores da empresa que são impactos pelas normas de defesa da concorrência conheçam essas regras e estejam de acordo com as mesmas, sem o que estão sujeitas a pesadas multas, além de danos à sua imagem.

A Lei Geral de Proteção de Dados

Basicamente, a LGPD, cuja vigência data de agosto de 2.020, exigirá consentimento expresso do titular dos dados para que as empresas possam utilizá-lo de qualquer forma. Há algumas ressalvas legais para a exigência desse consentimento mas que não se aplicam à maioria das empresas.

Nesse contexto, é importante destacar que a LGPD é muito ampla no que se refere às formas de utilização de dados coletados, sendo que praticamente inexiste hipótese que viabilize o uso comercial dos dados pessoais sem o consentimento do titular.

As multas para o descumprimento são elevadas, iniciando-se em até 2% do faturamento do ano anterior, podendo ser convertida em multa-diária, até o limite de R$ 50 milhões. O descumprimento da norma será feito por um novo órgão denominado Autoridade Nacional de Proteção de Dados.

Mais danoso que a multa é o dano à imagem: caso constatada a apuração, a ANPD poderá determinar a publicização da infração – ou seja, além de arcar com uma penalidade financeira enorme, a empresa ainda se sujeitará à perda de reputação, especialmente se a proteção de dados sensíveis falhar e for exposta a terceiros.

Compliance tributária, trabalhista e cível

As normas tributárias, trabalhistas e cíveis também são importantes ramos que demandam uma análise constante de conformidades.

As multas por descumprimento da legislação fiscal são muito elevadas e geram enormes dificuldades para a empresa. Uma vez autuada, além de perder a CND e incorrer em elevados custos com as defesas cabíveis, ainda há o risco de que a dívida seja protestada em cartório.

A questão trabalhista, como sabemos, também não é diferente: embora haja uma tendência de redução desses riscos e talvez até de extinção da Justiça do Trabalho (muitos defendem essa posição) o fato é que ela ainda existe suas decisões tendem a favorecer os empregados. Estar em compliance com as normas trabalhistas ainda é fundamental para evitar danos dessa natureza.

Em relação à conformidade dos procedimentos com as leis civis,  é importante se destacar que a realização de procedimentos prévios de contratação (às vezes até realizando due diligence no fornecedor) e a elaboração de contratos bem redigidos é uma garantia essencial à manutenção da empresa pois evita interrupções na cadeia de fornecimento.

Os códigos de ética e de conduta

Não menos importante é a questão da observância das normas internas.

Embora os dirigentes e colaboradores sejam contratados para exercer suas funções no melhor interesse da empresa, não é raro que haja uma situação em que os mesmos têm de decidir entre estes e os seus pessoais. Muitas vezes, inexistem normas internas que prevejam esse tipo de situação.

Dessa forma, o compliance relativo ao cumprimento de normas internas é essencial para, senão eliminar, reduzir o potencial conflito de interesses entre funcionários e a companhia, tornando transparente essa relação, sobretudo nos pontos em que inexista norma legal expressa a respeito de determinado assunto.

Auditoria Interna x Auditoria Externa

 As auditorias internas e externas funcionam de maneira bem semelhante mas têm pontos que a distinguem.

A Auditoria interna é realizada por profissionais ligados à organização auditada e tem como objetivo verificar se as normas internas e exigências legais estão sendo cumpridas. Normalmente ela é mais próxima da empresa sendo complementada pelo programa compliance (este sugere o processo, aquela fiscaliza o seu cumprimento).

Por sua vez, as auditorias externas são realizadas por auditores independentes, sem relação com a empresa auditada, a fim de garantir a lisura no conteúdo de seus pareceres. O objetivo é emitir parecer sobre a fidedignidade dos dados apresentados. Isso lhes garante uma maior independência em relação aos órgãos internos da empresa o que é saudável em termos de transparência.

Conclusão

Em conclusão, em organizações que pretendam permanecer no mercado e crescer, um programa de compliancenão deve ser vista apenas como um diferencial, mas sim como uma condição. Sem blindar seus sistemas contra erros, fraudes e falhas operacionais, as empresas tendem a ficar expostas à danos que comprometem, inclusive, a sua continuidade.

Aliás, em alguns estados como o Rio de Janeiro e Distrito Federal já é, de fato, obrigatório que as empresas que se relacionam com a administração pública por meio de contratos, consórcios, convênios, concessões ou parcerias público-privado tenham um programa bem definido e aplicado de compliance.

A ausência desse planejamento técnico e estrutural poderá gerar prejuízos financeiros e sobre a reputação da empresa. Em pouco tempo, acredita-se que este procedimento de obrigatoriedade de compliance também será replicado pela União, pelos estados e municípios brasileiros. Por isso, todas as empresas devem se preparar, desde já, para o cumprimento dessas novas práticas. Comece agora mesmo a estruturação do seu negócio!

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